sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Exposição de Salvador Dalí chega a Salvador

Salvador vai receber, a partir de quarta-feira, 18, a exposição Dalí: A Divina Comédia, no Espaço Caixa Cultural. O acervo conta com 100 gravuras de Salvador Dalí que ilustram os cantos dos poemas épicos de Dante. A exposição tem entrada gratuita e permanece na capital baiana até o dia 23 de fevereiro.
Salvador Dalí: mestre da arte surrealista
As gravuras de Dalí percorrem a viagem imaginária de Dante, desde os círculos infernais, acompanhado por Virgílio, até ao centro da terra, onde encontra Lúcifer. Depois regressando à superfície terrestre, sobe a montanha do purgatório, para, guiado pela sua amada Beatriz, ser admitido no paraíso.
Gravuras de Dalí representam os poemas da obra A Divina Comédia, de Dante
A série em aquarela foi criada entre 1950 e 1960 por encomenda do governo italiano, no âmbito das comemorações dos 700 anos do nascimento de Dante. O conjunto de cem gravuras da obra de Dalí foi apresentado em Paris em momentos diferentes, nomeadamente, em 1960, o Inferno, em 1962, o Purgatório e, em 1964, o Paraíso.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O acendedor de cachimbos

Se em 1909 os acendedores de lampiões chamaram a atenção de Jorge de Lima, no século XXI, outras figuras sociais nos questionam diariamente a respeito da sociedade em que vivemos, do que somos e fazemos por nós e pelo próximo.  
Nesse sentido, publicamos a releitura do poema “O acendedor de lampiões”, produzida por Jonathan Silva.
Eis sua proposta:
 Em “O acendedor de lampiões”, o poeta retrata o papel importante do acendedor de lampiões para aquela cidade, que mesmo tomado pelo o cansaço, vai todas as noites levar a luz para iluminar a noite, em substituição ao Sol, juntamente com a Lua.
Então, com base no texto de Lima, foi criado uma releitura com a mesma temática social, porém mais contemporânea e fácil de ser visualizada, já que se trata dos  usuários de drogas que habitam as noites, alimentando seu vício, sob olhares de cidadãos que não propõem iniciativas para erradicação do problema.
A importância de se trabalhar com essa temática social é a de conscientizar ainda mais a população dos inúmeros problemas vivenciados pela nossa sociedade, mas que parecem se tornar, a cada dia, invísiveis.

 O ACENDEDOR DE CACHIMBOS 


 Lá vem, mais uma vez, o acendedor de cachimbos para a rua.
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Se esconder do Sol na ilegalidade da Lua
Que enegrece, pela noite, o mais inóspito ambiente.

Um, dois, três cachimbos, acende e continua
Outros mais surgem a acender imperturbavelmente,

À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste e fria realidade de quem vê e desconfia:
Eles, que queimam a noite e mancham a cidade,
Talvez não possuam nem uma choupana para lhe esconder do dia.

Tanta gente que por eles passam e repudiam:
Doentes, miseráveis, viciados, famintos
São esses os acendedores de cachimbos das ruas.

Jonathan Silva cursa o 3o ano do curso de Química 
(IFBA/campus Salvador) e atua como pesquisador (IC) em projeto de pesquisa da Petrobrás. 

Um pouco de Jorge de Lima

O itinerário poético de Jorge de Lima percorreu quatro fases: a parnasiana, a da poesia negra, a místico-católica e a épica. A primeira pode ser percebida em O Acendedor de lampiões, poema de 1909, ainda intoxicado da leitura dos partidários da arte pela arte. 



Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
A medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente. 

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita,

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua.


Os vestígios do parnasianismo são notados claramente pelo cuidado com os vocábulos e na construção das rimas para a representação do trabalho do acendedor de lampiões, que é bastante objetiva e descritiva.
Ainda assim, nestes versos, Lima parece se compadecer desse trabalhador, afastando-se dos princípios parnasianos.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Sobre o amor...

Octávio Paz enfatiza que, desde o início da literatura ocidental, grande parte dos poemas, textos dramáticos e romances dão uma atenção especial ao amor. Nessa linha, “a história da literatura [pode ser vista] como a história das metamorfoses do amor” (PAZ, 2004, p. 94) que variam desde a sua representação no trovadorismo com o amor cortês em que “amor é sinônimo de se colocar a serviço da amada, de sofrer e morrer de amor”, tornando o objeto amado sempre inacessível (FERREIRA, 2004, p. 45); suas configurações na Renascença quando “amor é desejo de união com o amado e todo desejo é amor e todo amor é desejo” (LEÃO HEBREU apud CHAUÍ, 1990, p. 23); no romantismo com o amor relacionado ao sonho, ao sofrimento, à idealização e à morte; até a contemporaneidade com as representações do amor “líquido”, frágil como os laços humanos próprios de um mundo em que as relações tornam-se cada vez mais fluidas (BAUMAN, 2004). Enfim, são muitas as representações do amor, desde Platão até nossos dias, e ainda assim, não sabemos como defini-lo, uma vez que ora o amor nos leva ao ápice ora nos mostra a derrocada humana, ora é paixão e desejo de posse ora é liberdade de escolha, e quer seja vida quer seja morte, permeará sempre nossas vidas e das personagens que vivem nos poemas, romances e textos dramáticos.




Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 
CHAUÍ, Marilena. Laços do desejo. Em: NOVAES, Adauto (Org.). O desejo. São Paulo: Companhia das Letras; [Rio de Janeiro]: Funarte, 1990.
FERREIRA, Nadiá Paulo.  A teoria do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. Tradução de Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.