terça-feira, 21 de agosto de 2012

Paráfrase e paródia

O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa traz as seguintes conceituações para o termo: 

Paráfrase: (1) sf. interpretação ou tradução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que sua letra: metáfrase; (2) interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto que visa torná-lo mais inteligível ou que sugere novo enfoque para o seu sentido (2001, p. 2127).

Affonso Romano Sant’Anna afirma que para-phrasis (que já no grego significava continuidade ou repetição de uma sentença) pode ser considerada, grosso modo, uma reafirmação, por meio de outras palavras, do mesmo sentido de uma obra escrita, ou seja, pode-se considerar a paráfrase a tradução ou a transcriação de um texto-base (SANT’ANNA, 1998).

Nesse sentido, diferente da paródia – recriação de um texto, geralmente célebre e conhecido; uma reescritura de caráter contestador, irônico, zombeteiro, crítico, satírico, humorístico ou jocoso – a paráfrase é a releitura do original. Se na primeira temos a ruptura, um percurso de desvio em relação ao texto parodiado; na segunda, ficamos à frente de uma recriação textual. Ao parafrasear um texto, estamos atribuindo-lhe uma nova “roupagem” discursiva, embora mantendo a mesma ideia contida no texto-base.

Para que possamos compreender melhor estes dois processos, tomemos como exemplo a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias e dois textos elaborados a partir dela:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
                                                                              De Primeiros cantos (1847).

Texto 1 - Paráfrase
Europa, França e Bahia
                                                                               Carlos Drummond de Andrade
[...]
Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.

Não há mais Turquia
O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a deslanchar.
Mas a Rússia tem as cores da vida.
A Rússia é vermelha e branca.
Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme bolchevista
e no túmulo de Lenin em Moscou parece que um coração enorme
está batendo, batendo
mas não bate igual ao da gente...

Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a "Canção do Exílio".
Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!

Texto 2 - Paródia
Nova Canção do Exílio
                                                                                  Ferreira Gullar
Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
 tem regatos tem cascata
 e as aves que ali gorjeiam
 são como flautas de prata
 Não permita Deus que eu viva
 perdido noutros caminhos
 sem gozar das alegrias
 que se escondem em seus carinhos
 sem me perder nas palmeiras
 onde cantam os passarinhos. 

REFERÊNCIAS
Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva Ltda., 2001.
SANT’ANNA, A. R. Paródia, Paráfrase e Cia. São Paulo: Ática, 1998.

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